Um circo só de mulheres
- Thamiris Barcelos
- 4 de jun. de 2019
- 13 min de leitura
Atualizado: 4 de jun. de 2019
Conheça ideia e trajetória do grupo Circo di Sóladies, um grupo de circo formado por 4 mulheres, em São Paulo.
Kelly, Lilian, Taís e Verônica fazem parte do grupo chamado Circo di Sóladies, que nasceu a partir de uma reflexão a respeito do lugar da mulher dentro da arte da 'palhaçaria'. Sóladies viajam hoje, o país de norte a sul, com alguns de seus espetáculos, o mais recente, Choque Rosa trata do papel da mulher dentro da sociedade contemporânea e seus desdobramentos. Conheça um pouco da trajetória desse 'circo' só de mulheres.
Circonect: De onde surgiu a ideia de um circo somente para mulheres? De quem veio? E por quê?
Taís (palhaça Augustina): O 'Circo de Sóladies' surgiu em 2013, a primeira formação que foi criada, fomos eu, Tata (Taís) e a Lilian, nos demos conta que não tinha muito espaço para as mulheres palhaças no meio da ‘palhaçaria’ de São Paulo. E na verdade, hoje está melhorando, mas támbem ainda não tem alguns espaços. Então, a gente criou uma intervenção, fomos contratadas para fazer uma entrevista pelo SESC Santo André, que foi nosso primeiro trabalho, e com essa intervenção a ideia era de chamar mulheres para fazerem parte de um circo, porque era no mês da mulher também e tudo mais, e a gente queria trabalhar com isso também, nós demos o nome da intervenção de Circo de Sóladies, que seria um circo só de mulheres, no fim gostamos tanto do nome que virou o nome do grupo. E continuamos a fazer outros trabalhos, intervenções e tudo mais. Em 2016, se juntaram ao grupo, a Veronica, a Kelly e a Vanessa, a Vanessa não está mais, então somos só nós quatro.
CNT: Qual a mensagem que vocês querem passar com as suas apresentações?
Verônica (palhaça Ursula): Eu gosto de pensar que não necessariamente a gente quer passar uma mensagem, claro que tem muitas mensagens que a gente passa, de diversas formas e para cada pessoa o que a gente fala vai soar de uma forma diferente. Eu gosto de pensar que a gente quer provocar reflexões sobre o lugar da mulher, o lugar da palhaça no mundo, na sociedade. Desconstruindo pontualmente, sistematicamente e gradualmente o sistema estruturado patriarcal, né? Isso é bastante utópico, claro. Mas, eu acredito que quando a gente provoca reflexões nas pessoas, gera pensamento até de crise, de não gostar, de apoiar, de se encantar, de chorar no final da peça porque se envolveu, ou vim contar suas histórias no final, né? De opressão e de violência. Eu acredito que ali a gente está gerando uma reflexão, um pensamento, uma forma de olhar pro mundo que pode, no tempo, ir se transformando.
Lilian (palhaça Xamanga): Acredito mesmo que é tudo isso, e quanto à mensagem, se fosse dizer assim, a gente tem muito desejo de poder fazer tudo, né? De poder ter equidade, né? Acho que é o desejo de que as pessoas olhem para aquelas mulheres, para aquelas palhaças, e vejam representatividade ali. Tanto de mulheres brancas, mulheres negras, mulheres de todas as idades, que tem desejos, que tem a vontade de fazer as coisas e vai atrás dos seus sonhos e realiza, né? E claro, a gente tem a consciência de todo um sistema que é feito onde a mulher não consiga. A gente sabe de todas as dificuldades e tudo que patriarcado faz, mas o desejo é que essas mulheres se inspirem, que essas mulheres lembrem do que viram, e comentem, conversem e que estejam sempre pensando nos seus poderes, né? Nessa capacidade, independente de toda dificuldade que a gente encontre pela frente. As dificuldades diminuíram em alguns pontos, mas aumentam em outros, né? Em violência e feminicídio, que a gente vem acompanhando aí. Mas se a mulher tiver cada vez mais essa consciência do poder que ela tem, já é gigante, né? O desejo, se for pensar na mensagem, é por aí também.

Da esquerda para a direita, Verônica, Kelly, Lilian e Taís, em apresentação no SESC Pompeia no dia 24/03.
CNT: Vocês se apresentam em quais regiões do Brasil?
Kelly (palhaça Greice): Em relação aos lugares onde a gente já se apresentou, além da grande São Paulo, a gente já participou de diversos festivais. Acho que ano passado foram 14 festivais. A gente foi para o Nordeste, Recife, Cariri-CE, Goiânia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Uberlândia e também todo o interior e litoral de São Paulo. E estamos aí querendo viajar muito mais.
CNT: Como vocês acham que fazer essa manifestação feminista por meio da arte se diferencia das demais formas?
Kelly: A gente acredita que a arte ela é, também, intrínseca ao ser humano, a gente nasce e cresce, a gente vai se desenvolvendo, e antes de tudo a gente aprende, a cantar antes de falar, dançar antes de andar. A gente aprende a se manifestar artisticamente, nós somos seres artísticos de nascença, e a gente acredita que a arte é uma forma potente de se aproximar, de poder compartilhar sentimentos e sensações, e pensamentos, com outras pessoas. E a arte do riso, é mais potente ainda, porque justamente na hora que a pessoa está relaxada com o riso que você consegue passar alguma informação, e o pensamento crítico ele é muito ligado também ao riso. A gente tem as origens dos palhaços, os bobos da corte, os palhaços xamânicos, os palhaços dos povos originários, eles utilizavam o riso como forma de cura e crítica também. Porque quando a gente critica damos foco a um assunto que a gente não pode fingir que não existe, a gente esta trabalhando com o riso com o objetivo de fazer a crítica. Nós temos uma violência muito grande contra as mulheres, o Brasil é o 5º país no ranking de feminicídio, a gente tem muita violência doméstica e isso está ligado a uma sociedade extremamente machista e patriarcal. Acreditamos que a arte tem esse poder de se aproximar das pessoas para falar de um assunto tão delicado, e tão urgente.
Taís: Tem uma coisa, que depois dessas eleições, a gente fala, “ser palhaça é bonitinha, fofinha, usa roupinha, narizinho...” e na real, a gente está falando um monte de coisas. Então, é doido esse lugar da palhaça, esse lugar da fofura, da menina, da inocência, dessa persona que traz a fofura em si, e isso que é muito legal da arte, a gente pode rasgar esse lugar e continuar sendo palhaça.
CNT: Qual foi o espetáculo mais marcante que vocês já fizeram?
Taís: Bom, o Choque Rosa é o espetáculo que tem mexido muito com a gente, todos os outros mexem muito, mas, o Choque Rosa é o mais recente e ele vem de uma provocação muito atual que tem ‘rolado’. A gente veio nesse processo de colocar questões nossas como mulheres, tipo, eu sou um casal com a Verônica, a gente traz isso muito sutilmente, mas coloca na peça. A Lilian, sobre as questões que ela passa diariamente, sofrendo racismo. E nós como mulheres, na relação ali da ‘treta’ entre elas, de entender o que é sororidade, de entender que não ‘rola’ competição entre a gente. É um processo, porque todas nós estamos estabelecidas dentro do patriarcado, foi assim que a gente foi educada. Então, é um espetáculo que mexe muito com a gente e tem mexido muito com a gente como pessoa e como grupo. Nós escolhemos aqui juntas algumas apresentações que ‘rolaram’ no Cariri, quando a gente foi para amostra SESC de artes Cariri ano passado, em três cidade dos Cariri, e foi muito, muito bonito. Nós fazíamos na rua, e as crianças de lá, as mulheres de lá, responderam muito ‘legal’ assim, elas respondiam a peça com a gente, era muito gostoso. E sempre no final de cada apresentação nós sempre víamos mulheres muito emocionadas, e vinham conversar com a gente depois. Hoje, por exemplo, aconteceu uma coisa que, três meninas muito novinhas falando “ah, a gente vai ser palhaça, a gente tá estudando...” e a gente fala muito disso das mulheres que vieram antes e elas disseram que nós inspirávamos elas. Então, eu acho que é muito lindo esse processo que as mulheres se inspiram, podem se olhar umas nas outras e ‘sacar’ que a gente, há muitos e muitos anos, tem mulheres muito poderosas que são apagadas da história. Então a gente tem que continuar.

Representando as atitudes que "se esperam" das mulheres em sociedade o grupo faz uma crítica.
CNT: Como vocês se utilizam das novas ferramentas da internet, como Facebook, Instagram, Twitter e YouTube para manter vivo o espetáculo de vocês?
Verônica: Eu acredito que a internet tem vários pontos positivos e negativos, mas, dentre os positivos eu entendo que ela nos aproxima das pessoas que vão assistir a gente ou que gostam do nosso trabalho em si, ou que se identificam, ou até que não gostam. Estão mais próximas, elas podem falar, a gente pode conversar, pode se gerar novos desdobramentos para além do próprio espetáculo que a pessoa vivência naquele momento. Eu acho bem potente esse espaço da internet para isso, é também um espaço onde a gente pode divulgar e tornar público o que estamos fazendo.
Taís: É o nosso maior meio de divulgação hoje, a internet.
Verônica: Não temos Twitter, nosso foco é Facebook, Instagram e nosso canal no YouTube, que é um outro espaço de criação, eu entendo o YouTube como um outro espaço de criação, uma outra plataforma. Acho que o YouTube não é só para comunicar sobre coisas que a gente quer conversar com as pessoas, mas, sim, trazer memórias e documentar a existência da ‘palhaçaria’ feminina e feminista de diversas formas.
Taís: Um pouco a ideia de quando surgiu o canal, era um desejo muito meu de ter um canal, e nós trouxemos isso para Sóladies. Tivemos a ideia de colocar a história de mulheres palhaças para serem vistas, é muito louco assim porque um projeto ‘linka’ no outro sem a gente pensar muito. Pensando muito nessa ideia de “mulheres que vieram antes”, e a gente tem um canal, onde você grava com mulheres hoje, o que serão esses vídeos daqui 10 anos? Para uma pesquisa até de ‘palhaçaria’, onde estão essas mulheres, elas não podem ser apagadas. Uma coisa importante, o Facebook nós utilizamos mais como agenda, colocamos eventos, essas coisas e a interação com o público. No Instagram a gente tem mais a questão com as fotos e no Instagram Stories são mais coisas que estão acontecendo naquele momento, divulgamos também, mas são mais coisas que estão acontecendo naquele momento. E o YouTube são vídeos e projetos que a gente tem o desejo de colocar. Tem alguns que a gente faz uma intervenção que chama In.press que nós fazemos uma entrevista com o público dentro de um festival e depois colocamos os depoimentos dessas pessoas que fizeram parte do evento e vira um vídeo no canal, o que vira material pro próprio festival, é uma pesquisa que é gigante.
CNT: Como vocês mantém o circo nos dias de hoje?
Verônica: A gente acredita que o circo hoje, o circo contemporâneo, o circo moderno ele teve que criar várias caras para continuar existindo. Tem o circo tradicional, a gente não vem de famílias de circo, as nossas formações são diversas, cada uma é formada em uma coisa diferente, a maioria veio ou do estudo da ‘palhaçaria’, ou do teatro, ou das duas coisas, ou da música ou das três coisas (risos). Não viemos do Circo especificamente, a gente entende que o palhaço, a palhaça, tá num lugar, ele vem, esse personagem, essa figura, que não é um personagem, mas essa figura, vem inicialmente do circo, mas eles estão em vários outros lugares. Dentro do circo contemporâneo tem muitas pessoas, como nós, que somos palhaças, que viemos do teatro, que viemos de formação de palhaça e estamos aí fazendo com que o circo, a partir da figura do palhaço, da palhaça, continue existindo. Então, a sobrevivência também se faz por transformações dos meios e modos de produção.
Taís: E tem uma coisa, assim, a gente como grupo, o nosso nome é Circo di Sóladies, porque também a gente faz essa piada um pouco com aquele grupo que imita a gente, do Canadá (risos). Mas, a gente de fato não tem uma lona, a gente está em vários lugares, então, nós nos mantemos assim, estando em vários lugares, com espetáculos, com intervenção, com o canal, a gente também tem um trabalho no hospital, com mulheres. O nosso trabalho é bem por aí, pelo mundo a fora.
Verônica: A gente observa como espectadoras, o circo de lona com muitas dificuldades de continuar existindo. É uma luta, porque, eu não sei exatamente o porquê, mas eu imagino, por exemplo, é muito caro ter um circo, ter uma lona, você ficar nos espaços. Tem muita família de circo que hoje estão em situações bastante miseráveis, isso é uma coisa bem triste de se ver. E tem circos tradicionais, falando como observadoras e não como participante, os circos tradicionais que vão se adequando à moda do momento, trazendo personagens da Disney para dentro do circo, ou trazendo coisas, criando cada vez mais situações que mantém a estrutura do circense, mas eles também vão trazendo coisas do momento. Isso é uma observação de quem vê circo como espectadora, nós vamos a circos em cidades pequenas, a família inteira trabalhando, essa é a tradição do circo mesmo, mas muito pobre, muito simples, mas os ‘caras’ e as ‘manas’ estão lá na luta, sobrevivendo.
CNT: Vocês já passaram por alguma situação dentro do meio circense onde o fato de ser mulher tenha sido um problema?
Lilian: O que eu percebo muito no meio é que tem uma resistência masculina a entender que a mulher ela pode e tem o direito de ser engraçada, de trabalhar com comicidade, trabalhar com a linguagem da ‘palhaçaria’. Eu vejo essa resistência deles porque ainda tem enraizado um lugar da mulher como uma figura da bela, da princesa, da delicada, da bailarina, da fofa, enfim, a imagem da acompanhante do mágico, né? E isso ainda tem muita resistência, sim. Então, por mais que, hoje em dia, tenha muitos grupos de mulheres fazendo ‘palhaçaria’ e mostrando que sim, é possível fazer crítica e técnica, eles têm muita resistência ainda.
Verônica: Tem uma questão que a gente não viveu diretamente na pele, assim, na vida nossa, mas a gente tem muitas mulheres amigas que passaram por isso, que são os encontros mistos de ‘palhaçaria’ ou de circo. Que muitas vezes se a mulher está, se ela convidada, selecionada, ela tá no lugar da cota, da porcentagem mínima para ninguém poder falar que não teve mulher naquele encontro, né? Por conta disso, surgiram muitos e muitos encontros de mulheres palhaças, mulheres do circo, só com mulheres, que é um lugar que a gente consegue se fortalecer. Nos encontros mistos que a gente foi, a gente não teve essa questão diretamente. Quer dizer, minto. A gente passou por um que teve essa questão, não vou dizer nomes, mas a gente passou, a maioria era homem, as mulheres estavam ali, e a voz da mulher né? A Tata (Taís) foi convidada para estar na mesa de última hora, só tinha homem falando sobre o fazer palhaço, por exemplo. A Tata entrou no lugar da mesa dessa discussão porque um dos palhaços não foi, ela foi convidada como cota, é bom que ela tenha sido convidada, a gente acha muito bom, mas isso foi uma cota, né? Então muitas vezes a mulher é vista como cota. “Aí vamos dar um pouco de voz para mulher aqui, para ninguém reclamar”. É isso.
Taís: Quando a gente entrou com o projeto do canal, era uma coisa meio inovadora. Muita gente da ‘palhaçaria’ não tinha canal. Pouquíssimas pessoas tinham, e aí a gente ouvia várias coisas. “Aí isso não é tão engraçado” “Aí para que fazer isso de máscara de palhaço” “Será que aí tem palhaça” e blá-blá-blá. Sabe, umas críticas que ‘cê’ fala “Gente, se fosse um cara ali fazendo”, que tem muitos caras que hoje fazem, né? Não necessariamente é incrível, e não recebe críticas muitas vezes porque até a gente aprendeu muito a não se desmotivar, né? Inclusive, isso até fortaleceu muito a gente para ignorar e seguir, mas é um lugar que são mulheres se colocando para fazer um ‘puta’ projeto e as vezes não há reconhecimento dentro da própria ‘palhaçaria’.

Na narrativa da apresentação Choque Rosa o grupo lê uma carta misteriosa da integrante "desaparecida" Maria.
CNT: Quais as dificuldades que vocês enfrentam hoje?
Taís: Teve uma situação que a gente viveu em um festival, que eu acho que dá um exemplo legal dessa pergunta, no espetáculo choque rosa fala muito desse lugar, que a mulher tem esse lugar de dentro, né? E o homem está fora. Então, desde pequena, a mulher é ensinada a cuidar, a estar cuidando da casa, a saber fazer todas as coisas de casa enquanto o menino está sendo ensinado a ir para rua, brincar, ver e descobrir o mundo, aprender a dirigir cedo, todos esses lugares onde a mulher normalmente está cuidando dos irmãos, está arrumando a casa, né? E aí aconteceu uma situação que a gente estava em um festival e ‘rolou’ uma bandinha para tocar em um dos cabarés, e aí essa bandinha se formou apenas de homens, era um festival misto, e lá estavam tipo uns 10 homens tocando e cantando, até aí beleza. No dia seguinte, um desses homens se tocou que “Ah, e as meninas que estão no encontro, não vão fazer parte da banda?”, e saíram convidando. Aí nisso, a gente, estávamos três de nós lá, a gente falou “Ah, vamos, nem que seja para tocar, sei lá, chocalho, a gente vai tocar. Tipo palma a gente quer tocar” e aí a gente se jogou lá e começou chamar as meninas “Venham, todas juntas e tal”. Quando chegou na hora de fazer a bandinha, os caras já estavam em uma roda ‘super’ ensaiando, que eles ensaiaram no dia anterior, e as meninas, claro, tipo a maioria delas não tocam instrumentos. A gente já se sente em um lugar mais inseguro, de se colocar, de ter medo de arriscar, e muitas ali que estão aprendendo o instrumento, mas, não tinham a coragem de pegar o instrumento e arriscar, porque desde pequena nós escutamos esse lugar de “não, não pode” “não, não vai” “cê vai fazer errado” “vai ficar ruim” né? E aí muitas delas começaram a sair e falar “ah, não tô afim” “não, não quero”, aí foram fazer outras coisas. No fim, ficaram só quatro mulheres nessa banda, três de nós, aí a gente falou “cara, é muito dolorido assim” porque quando você olha isso e percebe, tipo tá tudo muito enraizado, a gente nem percebe. Tanto é que quando a gente foi conversar com as meninas e tal, aí uma dessas meninas me falou outro dia assim “nossa, desde aquilo que você me falou no festival, eu me coloquei para aprender um instrumento, eu estou estudando e estou fazendo”, então acho que isso é uma coisa que nós estamos juntas assim para se fortalecer né?
Verônica: Essa questão do espaço da mulher na arte da ‘palhaçaria’, ela tem isso que a gente falou na anterior, né? Muitas questões e a questão da música né? A música é muito ligada à mulher também. Acho que a gente é muito desencorajada a estar nesses lugares, então a gente não se sente muitas vezes capazes e muitas vezes os homens não nos deixam a vontade para isso.
Kelly: Essas habilidades todas do circo, né? A música, o malabar, a mágica e tal, são habilidades que requer muito tempo de treino, né? Estudo e treino, estudo e treino. E muitas vezes a mulher que trabalha no circo, ela tem uma série de funções domésticas também ou de produção, e aí ela não tem tempo de estudar o instrumento do mesmo jeito ou tempo que precisava, ou fazer o treino de malabares, ou treinos de mágica, ou treinos de acrobacias, enfim. A gente já chegou a ouvir de um palhaço que as mulheres não são tão boas porque ela não tem as habilidades desenvolvidas, então não consegue entender porque as mulheres não desenvolvem as habilidades, se é porque justamente o tempo que elas deveriam estar treinando, elas estão cuidando para que seus companheiros desenvolvam as habilidades deles. É isso.

Enaltecendo as “mulheres que vieram antes” o grupo finaliza o espetáculo com um painel especial.
CNT: No contexto em que nós mulheres brasileiras vivemos hoje, com altos números de feminicídio, por exemplo, é muito importante esse trabalho que vocês fazem, principalmente o Choque Rosa. Por que escolheram o circo para essa luta e não uma outra forma de expressão?
Lilian: A linguagem da ‘palhaçaria’ é aquela que estudamos, ‘palhaçaria’ feminina. E essa escolha foi por conta disso também, essa temática, e tantas outras relacionadas a mulher, aos direitos das mulheres vem naturalmente para nós, até porque somos mulheres e a palhaça somos nós e queremos tratar de assuntos que também nos dizem respeito. Porque falamos com essa linguagem, com o nariz? para que o humor a gente consiga trazer um pouco de luz para temática, que a gente consiga discutir por um viés que não seja tão triste, porque já é muito duro falar sobre tudo isso. Mas, com a comicidade, com a ‘palhaçaria’ a gente consegue outros caminhos para dar uma luz a esse lugar tão sombrio ainda, que a gente tem de lidar.
Texto e imagens: Thamiris Barcelos
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