Choque Rosa
- Thamiris Barcelos
- 4 de jun. de 2019
- 5 min de leitura
Atualizado: 6 de jun. de 2019

Um circo só de mulheres. Taís, Verônica, Kelly e Lilian são as integrantes do grupo Circo di Sóladies, que desde 2013 luta pela causa feminista por meio da arte da palhaçaria.
Domingo (24/03) às 15h30 min, o público se aproximou do ‘deck’ na unidade Pompeia do SESC. Às 15h40 min muitas crianças corriam e admiravam um cenário, até então, sem contexto. Às 15h50 min o espetáculo foi anunciado “Choque Rosa às 16h!”. Às 16h quatro mulheres vestidas num roupão rosa vistoso, se adentraram ao cenário e tornaram, então, tudo mais claro ou, melhor, rosa.

“O nosso nome é Circo di Sóladies, porque também a gente faz essa piada um pouco com aquele grupo que imita a gente, do Canadá”.
Choque Rosa é o nome do espetáculo mais recente do grupo Circo di Sóladies, um conjunto formado por 4 mulheres que trabalham com a arte da palhaçaria (nome dado no meio para a arte) Taís (Palhaça Augustina), Verônica (Palhaça Ursula), Kelly (Palhaça Greice) e Lilian (Palhaça Chamanga). A ideia do nome “Circo de Sóladies” reflete o princípio do grupo, “só ladies”, um circo só de mulheres. As apresentações ocorrem de forma itinerante por diversas regiões do país. Demonstrando as possibilidades dentro da arte circense no mundo contemporâneo.

“Passarinho criado em gaiola não sabe pra quê serve suas asas”.
Em 2013, o Circo di Sóladies inicia sua trajetória, com duas integrantes e com o objetivo de refletir os espaços da mulher na sociedade, e sobretudo, dentro dessa arte, “O Circo di Sóladies surgiu em 2013, a primeira formação que foi criada, fomos eu, Tata (Taís) e a Lilian. Nos demos conta que não tinha muito espaço para as mulheres palhaças no meio da palhaçaria de São Paulo”, recorda-se Taís. Assim, o Circo di Sóladies começou por meio de intervenções em diversos espaços, a primeira, em Santo André abriu as portas para as demais, com a intenção de chamar a atenção das mulheres: “Nós demos o nome da intervenção de Circo de Sóladies, que seria um circo só de mulheres, no fim gostamos tanto do nome que virou o nome do grupo”, orgulha-se Taís. Em 2016, se juntaram ao grupo Verônica e Kelly.

“Muitas vezes a mulher é vista como cota. ‘Aí vamos dar um pouco de voz pra mulher aqui, pra ninguém reclamar’. É isso.”
O grupo já se apresentou para plateias do Brasil inteiro, no ano de 2018, participaram em cerca de 14 festivais. Além da grande São Paulo exploraram diversos lugares: “A gente foi para o Nordeste, Recife, Cariri-CE, Goiânia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Uberlândia e também todo o interior e litoral de São Paulo. E estamos aí querendo viajar muito mais”, conta Taís. O grupo de circo é itinerante, ou seja, não possuem um espaço físico próprio para a realização do espetáculo: “Nós nos mantemos assim, estando em vários lugares, com espetáculos, com intervenção, com o canal, a gente também tem um trabalho no hospital, com mulheres. O nosso trabalho é bem por aí, pelo mundo a fora”, ilustra Taís.

“Ainda tem enraizado um lugar da mulher como uma figura da bela, da princesa, da delicada, da bailarina, da fofa, enfim, a imagem da acompanhante do mágico, né?”
Existem lutas pela causa feminista por vários modos, um deles é a arte, o que segundo Kelly, integrante do grupo, é a forma mais natural, e, sobretudo, mais potente para tal: “Nós somos seres artísticos de nascença e a gente acredita que a arte é uma forma potente de se aproximar, de poder compartilhar sentimentos, sensações e pensamentos com outras pessoas. E a arte do riso é mais potente ainda, porque justamente na hora que a pessoa está relaxada com o riso, você consegue passar alguma informação, e o pensamento crítico é muito ligado, também, ao riso”, manifesta. A linguagem escolhida, a palhaçaria, diz muito sobre o objetivo do grupo, reforçando isso, Lilian justifica: “Por que falamos com essa linguagem, com o nariz? Para que com o humor a gente consiga trazer um pouco de luz para temática, que a gente consiga discutir por um viés que não seja tão triste, porque já é muito duro falar sobre tudo isso”.

“Desconstruindo pontualmente, sistematicamente e gradualmente o sistema estruturado patriarcal, né? Isso é bastante utópico, claro".
A arte do riso, em suas formas, não procura trazer um embate, mas sim uma discussão saudável e afetuosa, o que segundo Beatriz Ramsthaler, doutora em comunicação e pesquisadora da área cultural, pode mudar uma cultura com maior facilidade: “O embate às vezes é necessário, mas não é pelo conflito, pela guerra ou pela imposição, única e exclusivamente, que a gente consegue mudar uma cultura. A cultura ela é realmente mudada na sua raiz, na sua base, muito mais pelo afeto”, observa.

“Eu acho que é muito lindo esse processo que as mulheres se inspiram, podem se olhar umas nas outras e ‘sacar’ que a gente há muitos e muitos anos tem mulheres muito poderosas que são apagadas da história.”
Algumas das inspirações do grupo partem de muitos anos atrás, desde a origem da palhaçaria, como os bobos da corte, os palhaços xamânicos e os palhaços dos povos originários, que se utilizavam do riso como forma de cura e crítica também: “Trabalhamos com o riso com o objetivo de fazer a crítica”, enfoca Kelly. Por certo, o grupo pretende em suas apresentações provocar o sentimento de crítica às condições da mulher em nosso país, estimulando, por vezes, outras mulheres a repensarem suas atitudes e refletirem sobre. Beatriz reforça a importância desse tipo de trabalho, ao apontar que: “A luta pelo espaço no campo artístico, pelo reconhecimento e pelo respeito foi sempre uma questão para a mulher”.
Mais precisamente o espetáculo Choque Rosa trata de questões muito recentes, “A gente veio nesse processo de colocar questões nossas como mulheres, tipo, eu sou um casal com a Verônica, a gente traz isso muito sutilmente, mas coloca na peça. A Lilian, sobre as questões que ela passa diariamente, sofrendo racismo. E nós como mulheres, na relação ali da ‘treta' entre elas, de entender o que é sororidade, de entender que não ‘rola’ competição entre a gente”, analisa Taís.

"Estamos aí fazendo com que o circo, a partir da figura do palhaço, da palhaça, continue existindo”.
A reflexão provocada pelo espetáculo põe em pauta o papel político da mulher, Poliana Helena, diretora da Comissão de Circo do Sindicato dos Artistas e Técnicos de Espetáculos e Diversões do Estado de São Paulo (SATED SP), comenta sobre o papel político que o palhaço exerce, e a mulher nesse contexto: “Eu vejo o palhaço muito com esse papel político das relações sociais, então, é um papel que a mulher não poderia fazer, ela não poderia ter o domínio dessa arte. Olhando dentro do nosso cenário contemporâneo, dessa emancipação da mulher, dos feminismos, esse espaço vem sendo resgatado”. Sobretudo, o Circo di Sóladies vem incitando a mulher, de dentro e de fora do circo, a ser, entre tantas coisas, livre, Lilian deseja: “O desejo é que essas mulheres se inspirem, que essas mulheres lembrem-se do que viram, e comentem, conversem e que estejam sempre pensando nos seus poderes, né? Nessa capacidade, independente de toda dificuldade que a gente encontre pela frente”.
Confira aqui a entrevista na íntegra com o grupo Circo di Sóladies.
Texto e imagens: Thamiris Barcelos.
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